por Eliana Caminada
"Recordar é viver", diz o poeta.
Outro dia, casualmente, deparei-me com a foto da cerimônia de colação de grau da minha primeira turma de história da dança num curso de licenciatura plena. Lá estava eu ao lado das novas colegas e da paraninfa, minha companheira Vera Aragão, posando de patrona. Como esquecer desse episódio, tão marcante na nova interface que a dança me propunha? Emocionada, revi rosto por rosto daquelas alunas tão queridas, muitas presentes na minha vida até hoje, pensei na Missa rezada na manhã do dia anterior, quando fiquei conhecendo as famílias daquelas jovens, sorri relembrando da festa à noite, do barulho inerente ao jovem e da alegria peculiar à juventude amparada, amada e respeitada. Procurei o discurso que fora impelida a escrever e falar publicamente num palco de teatro, tornei a lê-lo, pensei em como a cena nunca se afastou totalmente de mim, em como continuo a pisar o espaço teatral com a reverência de um templo. O enfoque principal do texto era a ética.
Colocava eu, então, a questão:"O que justifica um curso de graduação em dança? Até que ponto a opção longa e dispendiosa, ainda que, em geral, profundamente prazerosa, precisa ser valorizada pela direção da instituição que a oferece, pelo corpo docente que tem que indicar não um só, mas diversos caminhos para o estudante, pelo próprio alunado, muitas vezes em dúvida sobre a legitimidade de sua escolha e da validade, em termos práticos, de seu diploma de nível superior e, o mais difícil, pelos pais, tão justamente preocupados com a possível insegurança de uma carreira ligada à área artística?"
"Certamente", ponderava, "o país não tem respondido positivamente a esses questionamentos o que, a meu ver, aumenta o valor da resposta que vem dos próprios estudantes".
Começava lembrando àquelas jovens e queridas meninas quanta cumplicidade e afetividade haviam envolvido nossa relação, tão informal, e o quanto isso fora determinante para o desenvolvimento do meu trabalho que reconheço, foi, e continua sendo, muito dependente da colaboração delas. Sou filha de um professor que sempre acreditou que o distanciamento entre gerações não estimula respeito e muito menos confiança e que não tinha o menor pudor em se revelar sentimental e emotivo. Nunca encontrei motivo para arrependimento diante dessa postura. Emoção é presença freqüente nas minhas aulas; incontáveis são as vezes em que choramos juntos, eu e as turmas, assistindo a um ballet pelo vídeo ou falando sobre um artista. Na ocasião declarei-me sinceramente emocionada, e um tanto perplexa, admitia, diante da opção profissional e, portanto, existencial, pela dança num país como o nosso, onde o povo desconhece o nome de qualquer autoridade oficial da área cultural sem que isso provoque ao menos uma reflexão em qualquer nível.Sempre digo que chorar de emoção é uma bênção. Triste é chorar de dor.
E prossegui mencionando a integridade de como elas estavam trilhando esse caminho. Explicava: "Porque, sem dúvida, ele pode ser mais curto, mais fácil, menos verdadeiro e menos honesto. Mas vocês não recuaram diante da grande questão da vida, qual seja, a de exercer de forma ética e moral a liberdade de escolha que Deus, a vida e os pais lhes proporcionaram. Livres, vocês assumem a decisão de que vida desejam construir, a responsabilidade pelas decisões tomadas, a edificação de uma existência autêntica e verdadeira."
Hoje o primeiro parágrafo teria que ser revisto. A presença de Gilberto Gil à frente de um ministério, talvez já tenha conferido ao cargo a visibilidade que o justifica e o torna legítimo. Longe das autoridades de gabinete, o ministro Gil é senhor de uma obra de inquestionável importância para a cultura popular brasileira. Sua figura, percebida e assimilada por brasileiros de todas as classes sociais, creio eu, é capaz de transformar um tenso plenário internacional numa grande confraternização universal. Milagres da Arte!
Quanto ao segundo parágrafo, mais do que nunca respeito os que constroem sua vida sobre valores éticos e morais. A liberdade é um bem e um direito, não resta a dúvida, mas tem um preço que começa pelo reconhecimento e respeito pelo direito do próximo. Continuava ponderando: "Nossa verdade está comprometida com a arte; apesar de muitos profetas apocalípticos anunciarem centenas de vezes sua morte sabemos que ela não é mortal; ao contrário - se existe eternidade na vida é na arte que ela se manifesta, se Deus está em nós é através da arte que expressamos sua essência".
De fato, estou convicta de que é, sobretudo, através da arte que o Divino se manifesta em nós. Mais do que a ciência, mais do que o esporte, a Arte tem sido, não apenas o farol da humanidade, mas o que lhe permitiu ter história. A trajetória do homem sempre foi e sempre será contada e preservada por intermédio das obras de artistas plásticos, músicos, dançarinos, literatos, que nas suas criações reproduzem, ao longo de tantos mil anos, as diversas etapas que vivemos nessa terra azul.
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