quarta-feira, 18 de abril de 2007

Sublinhava:
"Estamos conscientes de que o domínio dos meios de expressão é fruto de uma longa conquista. Dentre eles escolhemos, talvez, o mais dicotômico: a dança. A dança não prescinde nem do tempo nem do espaço, nem da razão e da técnica nem da emoção, nem da força atlética e humana nem da aparência de fragilidade dos nossos corpos, nem da transitoriedade do momento em que o movimento se realiza nem da eternidade de como ele se fixa na alma de quem assiste. Somos artistas da dança; temos um pé na superação da força da gravidade, tentamos voar, mas ninguém, como nós, ama com mais força o chão, no qual evolui, dança, senta, bate-papo, estuda e até descansa".

Clarificando a questão: A música necessita de tempo para que se concretize, embora possa prescindir de espaço. Por outro lado, qualquer pintura, uma vez concluída, ocupará fatalmente seu espaço, ainda que não precisemos destinar nenhum segundo a sua contemplação. Lembrava citando um fragmento do livro "Dentro da Dança" do grande bailarino moderno Murray Louis, que expressou como poucos o que é o mundo de um profissional da dança visto por dentro dele: "Dentro da dança vocês optaram pelo aspecto mais generoso, mais anônimo e menos glamuroso: a de orientador. O "eu-professor" é completamente desinteressado; dá de si até o que não lhe pertence e quando o espetáculo vai para cena, embora o bailarino tenha dependido desse artista até uma hora antes, ele é a única parte da engrenagem que envolve performers , coreógrafo, ensaiador, remontador, maestro, artistas plásticos, etc." Afirma Louis, com razão, que o professor é um artista tão dedicado e sensível como os demais. Constrói sua obra - o próprio bailarino - sem saber o resultado final, o que, como em toda obra de arte, é exatamente o que a justifica. Sem tom de lamento constata que o professor de ballet, raramente reverenciado, é alguém para quem as luzes do palco e o aplauso do público não são destinados e que, em geral, fica esquecido pelos próprios bailarinos. Sem falar da crítica, voltada demais para suas próprias elucubrações para se preocupar com os bastidores de uma companhia de dança.

Senhores leitores! Um parêntese nessas recordações: Quando falo em críticos e seus veículos de comunicação, não estou me referindo a repórteres deslocados para cobrir a área artística, quase sempre sem qualquer conhecimento dela, comprometidos apenas com a notícia que fofocas de bastidor podem render. O meio de dança não é grande "produtor" de escândalos, logo, ele é bem pouco contemplado. Retornando àquele momento que fixei para sempre, adverti às novas profissionais sobre o compromisso que assumíamos de tentar suprir a omissão do Estado na cultura, principalmente no que se refere às artes cênicas, numa época dominada pelo materialismo e pela mecanização, na qual a necessidade de poesia e criações artísticas de qualidade são mais fundamentais do que sempre. Recordava-lhes:"Nossa intelectualidade desconhece totalmente a dança em qualquer de suas formas de expressão; nossa inibição diante do poder da palavra e da retórica nos fragiliza ainda mais. Só a cultura geral e a instrução poderão conferir representatividade e legitimidade a nossa categoria".

Conclamava:
"Respeitem todas as tendências de dança, elas não se excluem, elas se completam. Da nossa história, tão bela e tão rica, retornem sempre ao saber e à importância das inigualáveis figuras históricas de Noverre; Coralli e Perrot; Petipa; Fokine; Duncan; Nijinski; Vaganova; Laban; Grahan; Balanchine; Bejart; MacMillan; Roland Petit, entre tantos outros que ficaram porque já foram julgados pela história."

Dizia eu, reafirmando o que defendo hoje:
"Lembrem-se: a arte tem um compromisso com a sensibilidade e com a beleza; a verdade matemática é o axioma da ciência, não da arte. Procurem com todas as forças impedir que a dança se transforme em uma mera exibição vazia de marcas atléticas ou numa 'pseudo-arte' que nada mais é do que palavras bonitas amparadas pelos meios de comunicação, mas desprovidas do essencial: a vivência corporal da dança". Por fim, exortava-as a guardar nos corações a capacidade de admirar os artistas e companheiros que transcendem nossos limites. Parafraseando a velha fábula da raposa e as uvas observava: "Se as uvas da parreira não estão ao nosso alcance admitamos, com alegria e êxtase, que elas são saborosas, cheirosas e que Deus nos deu sentidos para percebê-las, olhá-las e nos maravilhar com sua beleza".

Encerrava dizendo que gostaria de vê-las transformadas em autênticas "sathiagrahis" da dança. Meu discurso terminava aqui. Hoje não poderia dá-lo por encerrado. A ênfase na valorização da práxis como base da construção do conhecimento teórico também na ética e no apego à verdade me pareceu pertinente ao momento atual, mas a falta de menção a rapazes, num texto meu, que sou casada há 37 anos com o pai de meu filho, um bailarino clássico, é bem reveladora de que ainda temos muito o que caminhar sob o ponto de vista ético e de apego à verdade. Creio que cabe aqui uma convocação: usemos nossa paixão pela arte, nossa crença em sua capacidade de servir como instrumento de salvação, exercício de sensibilidade, inclusão e superação de preconceitos para divulgá-la junto a esse povo criativo, rítmico, dançante, caloroso, valoroso e belo: o povo brasileiro. Reivindiquemos espaços! Sejamos cidadãos do Brasil!

in www.portaldafamília.org

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