"A Dança Possível - As ligações do corpo numa cena", de Rosa Primo, é o primeiro livro a propor análise sobre a dança no Ceará
por Magela Lima, do Diário do Nordeste
Agora, só falta mesmo ela plantar uma árvore. O bochechudo Arthur já está com quatro meses e, quinta-feira próxima (08/02), “A Dança Possível - As ligações do corpo numa cena” ganha o mundo, passa ao domínio público. Para além de psicologia barata, o livro de estréia da jornalista e bailarina Rosa Primo, antes mesmo de sair do prelo, já tinha caráter singular. Fruto de sua dissertação de mestrado - defendida em 2003 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) - o título é o primeiro a procurar dar conta da dança que o Ceará tem suado (e muito) para produzir.
Publicado pelo Programa BNB Cultural, o livro atua em duas frentes. De um lado, aguça a memória da dança cearense, fazendo lembrar trajetórias singulares que o tempo ajudara a corroer. De outro, estimula uma reflexão sobre os fatores que balizaram a criação cearense. A dança, para Rosa Primo, é conectada ao social e é sobre essas conexões que ela está interessada. A pesquisadora dialoga fundamentalmente com o pensamento dos filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) e Michel Foucault (1926-1984). A partir deles, elenca conceitos que autorizam pensar o condicionamento (talvez, melhor seja pensar em condicionamentos) que a sociedade imprime ao corpo. No caso, o corpo do bailarino.
Foucault&Deleuze
Rosa Primo contrapõe, embora afaste a idéia de guerra, duas modalidades de forte pressão sobre a chamada dança cênica: o clássico e o contemporâneo. Aqui, vale um aparte. “A Dança Possível - As ligações do corpo numa cena” não se volta para qualquer expressão do corpo em movimento. O título é demarcado por um recorte extremamente preciso. Fala de dança como linguagem artística. Mais ainda: fala de dança como linguagem artística numa esfera que em nada tange a chamada tradição popular. Em linhas gerais, o livro se concentra em demonstrar/justificar como o Ballet Clássico e o Ballet Contemporâneo - aqui traduzidos na experiências das academias versus o movimento surgido no bojo do extinto Colégio de Dança, do Instituto Dragão do Mar - são guiados por condições ligadas ao fluxo social.
De Foucault, ela se apropria da idéia de sociedade disciplinar. Ao discutir sexualidade e loucura, temas chaves em sua obra, o filósofo francês se apega ao recurso da clausura para explicitar como a sociedade compartimenta/organiza seu próprio funcionamento. Daí as escolas, hospitais, indústrias, prisões... Gilles Deleuze revê tal conceito e já defende um novo cenário: a sociedade de controle. Esta seria marcada pela interpenetração dos espaços, por uma suposta ausência de limites e pela instauração de um tempo contínuo no qual os indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa alguma, pois estariam sempre enredados numa espécie de formação permanente, de dívida impagável, prisioneiros em campo aberto.
É este o arcabouço que permite Rosa Primo articular as modalidades da dança clássica e contemporânea. Assim, é que sobressai de suas páginas uma dança cearense devidamente conectada ao mundo. Nossos “personagens” adquirem vida no enlace com outros tantos tidos como mitos universais na história da dança. “A Dança Possível - As ligações do corpo numa cena” é um convite a repensar o lugar das coisas. Inclusive, o lugar da arte e daqueles que a cria. Embora, trabalhe numa perspectiva temporal, o livro não carrega tantas amarras. Faz pontes imaginárias do dançar cearense de hoje com o de ontem. Não bastasse isso, é permeado por um tom interrogativo/especulativo sobre o que porvir. Então, que venham os próximos passos.
(in www.diariodonordeste.globo.com)
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