quinta-feira, 22 de julho de 2010

Grito de Socorro para a Amazônia acaba em Ópera

Até domingo o SESC Pompéia exibirá a ópera "Amazônia", uma peça de vanguarda dividida em três atos. O espetáculo apresenta os problemas da floresta pelo olhar dos índios Yanomami e pesquisadores. Esta será a última apresentação do grupo devido à falta de verbas e apoio.


Cesar B. Giobbi


A ópera "Amazônia", grande projeto cênico multinacional, estreou ontem em São Paulo, no SESC Pompéia. Fui convidado para assisti-la numa pré-estréia na terça-feira. A montagem, que vale a pena ser vista, só fica em cartaz na cidade até domingo e, depois, infelizmente será desmanchada. O espetáculo foi mostrado em Munique e, em versão reduzida, em Roterdam. E agora, por não haver verbas previstas para uma itinerância, um processo de quatro anos morre aqui. Não vai nem para o Festival de Ópera de Manaus, onde seria muito interessante apresentá-la. Se somarmos a isso o fato de que a platéia do espetáculo comporta apenas 300 pessoas, o número total de seus espectadores no Brasil será irrisório. O que é lamentável e um desperdício de idéias, de produção e de talento. A ópera é um grito de scocorro da floresta, na voz do povo Yanomami e de intelectuais, cientistas, atores e cantores brasileiros, alemães e portugueses, e é apresentado de maneira contemporânea, inventiva e convincente.

Não que a gente já não saiba tudo o que é narrado ali, mesmo os números sobre o desmatamento e tudo o que pode acontecer com a humanidade quando não houver mais água ou biodiversidade. Mas a dramatização e a música incidental, as imagens projetadas potencializam a mensagem. Vale tanto ou mais do que uma palestra de Al Gore ou do ex-governador do Amazonas, Eduardo Braga. É claro que coloca o mercado e o mundo político como os grandes vilões da história, o que é discutível, e o povo da floresta como a principal vítima, o que é uma verdade, porém não a única. O que interessa é que "Amazônia" é um alerta mais direto, mais consistente, mais eficaz e mais verdadeiro do que "Avatar", que fez tanto sucesso e teve tanta exposição.

Surpreende-me a Fundação Amazonas Sustentável não ter sido acionada para ajudar a manter o espetáculo em cartaz e fazê-lo viajar pelo mundo. Se bem que, em determinado momento, a visão européia do roteiro do terceiro ato ironiza a teoria da precificação da floresta para fazê-la valer mais em pé do que derrubada, que é exatamente o que defendem tanto Braga quanto a Fundação.

Mas vamos ao espetáculo. São três atos, cada um produzido por uma equipe diferente e num país e língua diferentes. Entraram na produção o SESC São Paulo, o Instituto Goethe, a Bienal de Munique, o ZKM Centro de Arte e Mídia de Karlshue, o Teatro São Carlos de Lisboa e a Hutukara Associação Yanomami. A concepção é de Peter Ruzicka, Peter Weibel e Laymert Garcia dos Santos. Cada ato tem um enfoque do problema. O primeiro msotra a visão estrangeira da floresta, pelos olhos do navegador inglês Walter Raleigh e em seus relatos das viagens à América do Sul no final do século 16. O segundo, pelos olhos dos Yanomamis, que participaram ativamente da concepção. O terceiro, numa montagem criativa, apresenta os números pelo enfoque indígena, da ciência e enfoque político/econômico.

A música e a encenação são sempre contemporâneas. Dar a ficha técnica dos três atos daria uma lista de cerca de três nomes. No primeiro ato, há mais participação de atores, ora presentes, ora em imagem projetada e ele é falado em inglês e com legendas. O segundo, do brasileiro Tato Taborda, tem belos efeitos cênicos, é falado em português e a platéia é estimulada a participar, passeando pelo espaço cênico. Os dois primeiros atos são no Centro de Convivência. O terceiro ato, em alemão, é no teatro, que usa um lado só da platéia. Toda a ação e, sobretudo, as projeções acontecem sobre a outra platéia, recoberta por cubos brancos. O efeito das projeções sobre essa estrutura dá um resultado incrível. Só vendo mesmo. Não é um espetáculo fácil para todo mundo, mas é contemporâneo, estimulante e oportuno.


Metro, quinta-feira, 22 de julho de 2010.

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