por Nicola Bonilla, para Red Sudamericana de Danza
(excerto)
O coreógrafo cisma, procura encontrar o jogo ideal para o corpo, explora ao máximo suas possibilidades, joga a partir da contradição, da cumplicidade, da obstrução, da expansão, da fuga, da permanência, etcétera e, progressivamente, vai selecionando, escolhendo as pistas que mais lhes dão. A partir deste momento, ele apagará, conservará, dará outras pautas de trabalho, mas sempre a partir da relação inter-individual que existe. Este trabalho igualmente se inscreve dentro da perdurabilidade e, antes do florescimento e da maturidade, germinará uma energia que se lançará às outras, no sentido de uma livre e fértil circulação destas energias.Karine Saporta resume o caminho que representa a elaboração de uma coreografia, da explicação do material de trabalho aos primeiros passos corporais, da construção final, passando pela revelação de um tema profundo:
“Um dos problemas mais difíceis que encontro é algo que está relacionado ao pudor. É dizer, tenho temas que são muito fortes, essenciais para mim, e uma das maiores dificuldades é a hora de expor aos dançarinos essa matéria sobre a qual quero trabalhar. Começam eles a busca mas, apreciar quem não vai sair derrotado, desanimado, e a quem devo dizer algo, não somente no plano dos movimentos, mas também sobre o plano temático, é complexo. No começo é maravilhoso, porque o bailarino não sabe ao que se apegar, ele não sabe o que se passa, pois é surpreendido. Sua reação inicial é de se desconectar com as outras realidades.” [3]
Segundo a teoria de Gilles Deleuze, “não sou eu, é o próximo como estrutura quem tem a possível percepção” (Lógica do Sentido), “próximo como centro de evolução, de desenvolvimento, de implicação”, (Diferença e Repetição). O comportamento da dança evocado por Karine Saporta, na relação coreógrafo-dançarino, é analisável nestes termos. Esse encontro com os dançarinos é o lugar de produção de material, de um trabalho escondido de fabricação. A coreógrafa explica que os encontros são muito ricos, inclusive quando se deparam com “maus” materiais. Como parte da pauta, no ínicio do ensaio, ela propõe uma série de movimentos e logo pede aos dançarinos que anotem num caderno. É como um ritual, o caderno deve estar bem cuidado e sem risco de se perder.
Do rito que acontece na sala de ensaio, atelier ou estúdio, vai nascendo a obra, sobre o conjunto de energias. O último problema, para Saporta: a notação coreográfica. Assim como para muitos coreógrafos contemporâneos, é difícil apoiar-se em alguns sistemas conhecidos. Cada coreógrafo possui uma maneira própria de anotar suas obras: na memória, em cadernos, em esquemas, em cartões; para isso, servem-se de sistemas de escritura (Labanotação, Benesch, etc.), ou hieroglífos diversos. Assim mesmo, a intermedialidade é um dos meios (talvez o mais teorizado e praticado ultimamente) de se anotar e analisar um espetáculo. Refere-se a participação da tecnología na captura e registro do material, improvisações, pesquisa de trabalho dos bailarinos durante (inclusive já concluido) o processo de montagem coreográfica.
É oportuno assinalar que não faltam instrumentos de investigação, “mas nenhum é universal, e nada se faz automaticamente, sejam quais forem os instrumentos utilizados: portanto, evitaremos cair na ilusão tecnológica que nos faria acreditar que a máquina acabaria por anotar e explicar tudo”.
A abertura durante o processo criativo é fonte de estados de tensão entre coreógrafo e bailarino. Para o primeiro, o trabalho de composição é o mais difícil, o mais árduo. Para os bailarinos é terrível, sobretudo quando têm que selecionar o material, pois, com frequência, sentem-se apegados a certas sequências que nem sempre seduzem o coreógrafo. Às vezes, as sequências são interessantes, fortes, expressivas, mas durante a composição e montagem da obra, há que haver uma sábia desconfiança para se escolher o material efetivo. O trabalho de seleção começa então sobre a memória e os ensaios.
Refere-se ao coreógrafo estruturar o processo, eliminar o superfluo do material para se chegar a uma espécie de pureza, de nitidez, da presença que seu espetáculo requer, a fim de que a coreografia se torne um fato criativo e crível para o leitor-espectador.
Credibilidade assegurada pelo comportamento da corporalidade que dança. É visível quando o bailarino deixa transparecer a impulsão ao estado “brutal”, original, arquétipico e, as flutuações do circuito energético (corpo em jogo, crível, dilatado) se despregam e orquestram organicamente seu ritmo, sua expansão, sua contração, etc.
Se estamos de acordo que para materializar-se enquanto espetáculo a dança precisa se apoiar em princípios de composição, igualmente devemos prestar atenção ao papel determinante que, na história da práxis teatral e da dança contemporânea, vêm ganhando as noções de imagen, ritmo ou texto. Volto a essas noções em outras análises pois, sem discussão, a composição coreográfica se explica, se desenha como um jogo dialético, dinâmico, progressivo; como uma circulação pulsional que escapa e se sobrepõe às palavras, incluindo o próprio corpo que dança, uma vez que precisa desta realidade que avança sem cessar, abrindo-se às convergências, às circunstâncias que condicionam a vida, o pensamento, o comportamento, as visões, por maiores que elas sejam. De nada vale um corpo pronto se não há uma vontade consciente de fazê-lo evoluir e dialogar com o espaço e suas significações, em meio a uma estrutura espetacular organizada graças ao manejo preciso das estratégias de fabulação, onde, a imagem, o ritmo ou o texto também participam.
(in http://idanca.net)
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